"Andar aos dias"... ou planificar o emergente

"É sempre assim, o trabalho nunca acaba nem a procura de estratégias para dinamizar a vida do grupo e a aprendizagem dos meninos e meninas lá da escola"...

E é mesmo sempre assim... como educadora, revejo-me nas palavras que a colega Manuela Matos tão bem escreve, semanalmente, no seu "Andar aos dias". Até no título encontro sintonia... sinto-me "andar aos dias" em cada dia na minha sala de jardim de infância. 

Planifico semanalmente (enquanto me deixarem...) de uma forma aberta e flexível, procurando manter um fio condutor pleno de intencionalidade no trabalho pedagógico, uma rotina consistente, que faça sentido para as crianças e para mim, que transmita segurança e construa harmonia, mas também que aborde conteúdos essenciais e contribua para o desenvolvimento de habilidades e competências que são fundamentais nesta faixa etária.

A minha planificação não é mais do que um conjunto de propostas, estratégias, recursos e atividades, indissociáveis deste contexto específico e que penso irem ao encontro daquilo que vou observando. 
É isso o que levo na manga para o que der e vier... planifico a ação com intencionalidade educativa, tal como prevê a legislação que é função do educador: 
"planifica a intervenção educativa de forma integrada e flexível, tendo em conta os dados recolhidos na observação e na avaliação, bem como as propostas explícitas ou implícitas das crianças, as temáticas e as situações imprevistas emergentes no processo educativo"(Perfil do educador de infância)

Todos os dias procuro escutar, compreender e aperceber-me das verdadeiras necessidades e interesses das crianças que me estão entregues e, por isso mesmo, estas planificações quase nunca se cumprem, pelo menos na sua totalidade. A maior parte das vezes, em algum momento da semana acontece uma cambalhota que faz tudo mudar de direção... e toca a planificar o emergente.

Foi o que aconteceu, desta feita algo inesperadamente, na passada sexta-feira... 
Há algum tempo que estranhava que as crianças não falassem no Dia das Bruxas, algo que costumam viver com um entusiasmo quase carnavalesco... mas andavam tão envolvidas entre lagartas e borboletas, que não tinha ainda surgido nada. 
Também não falei do assunto, tanto mais que não considero esta uma festividade genuína, uma vez que não deriva dos nossos costumes e tradições, antes foi importada por razões mais ou menos comerciais... mas não deixa de ser uma oportunidade de abordar conteúdos relevantes: os medos, as emoções, a fantasia, o faz-de-conta, as tradições de outros países diferentes do nosso...

E a planificação emergente começou nessa sexta-feira de tarde, já na hora de arrumar, quando tinha saído da sala por breves instantes e, ao regressar, as meninas mais crescidas me deixaram entrar mas só com os olhos fechados, me levaram pela mão até ao quadro preto e só aí permitiram que os abrisse, para que visse:
- Olha, estás a ver? Vem aí o Dia das Bruxas e depois a Festa das Castanhas!

E contra factos, não há argumentos, a rota está traçada... 
Compete-me agora ouvir, planificar com eles,  ir ao encontro, potenciar esta oportunidade no sentido de proporcionar desenvolvimento, preparar com um conjunto de situações educativas que divirtam as crianças, que promovam o seu envolvimento nas atividades, estimulem a sua capacidade de iniciativa e empenho, o seu sentido da responsabilidade e a sua criatividade, que as leve a chegar mais longe... 
Com ajuda das bruxas, fantasmas, monstros e outros que tais? Pois que seja!

E refletindo sobre prós e contras dos modelos de planificação encontrei esta frase:

"O modelo é por definição aquele em que não há nada a modificar, 
aquele que funciona com perfeição; 
ao passo que a realidade, 
vemos bem que ela não funciona e que se esfrangalha por todos os lados; 
portanto, resta apenas obrigá-la a adquirir a forma do modelo, por bem ou por mal" (Calvino, 1995: 98).


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