Notas soltas sobre infância, Educação e a importância do brincar...

Um texto sobre notas retiradas de uma palestra a que assisti com Eduardo Sá, Hugo Rodrigues, Magda Gomes Dias e Renato Paiva...

Tudo o que é importante requer tempo e dá trabalho, mas é assim que aprendemos a crescer.
Assiste-se atualmente a uma vertigem curricular, a uma sociedade que está a transformar crianças perfeitamente saudáveis em metas. É uma insensatez.
As crianças precisam de muito tempo para crescer… esse tempo (que não é idêntico para todas, pois têm estilos, ritmos de aprendizagem e maturação diferentes) não lhes está a ser dado pelos pais, numa pressão para o sucesso que começa cedo demais…
E então surgem diagnósticos de dislexia, de hiperatividade e défice de atenção, etc., muitos dos quais não o são realmente. E medica-se e não se sabem os efeito de tudo isso num futuro próximo.
Crianças saudáveis precisam de brincar todos os dias, mas não um brincar orientado do tipo “pega no telemóvel e vai para ali”, um brincar em gestão autónoma, na qual escolhem o brinquedo ou a brincadeira e usam o tempo como querem, pois é assim que aprendem a autorregular-se, a escolher, a decidir, a resolver conflitos, a ser autónomas. Brincar é o aparelho digestivo do pensamento!
Num mundo amigo das crianças elas continuam a ser faladoras, não se lhes dá um equipamento tecnológico para a mão para que se calem, para que estejam quietas, para que não chateiem! A tecnologia é fabulosa, mas não oferece aquilo que só as pessoas podem dar!
Num mundo amigo das crianças elas têm também o direito à dor, a aprender a lidar com a frustração (que sentem quando não podem ter/fazer tudo o que desejam) e não devem ser privadas desses momentos através da satisfação de todos os apetites e da inexistência de todos os “nãos”! Dizer “não” e mantê-lo dá trabalho, exige esforço, coerência, paciência e acima de tudo amor. Porque uma criança sem limites vai sofrer e fazer sofrer!
As crianças precisam de perceber que nos momentos de dor podem contar com os seus pais, que eles estão lá para atravessar a dor com eles, com calma, com serenidade. As crianças têm direito a sentir que os pais não se desmoronam perante qualquer obstáculo, que não fazem um drama perante a mais pequena contrariedade, perante o menor insucesso! Se queremos caminhar para o sucesso escolar, temos que aprender a tolerar os erros e aprender com eles.
As crianças saudáveis têm, também, uma quota de parvoíce todos os dias. Crianças sempre sossegadinhas, caladas, exemplares, são doentes (e, se não tiverem cuidado, até podem vir a ser… ministros!) Crianças saudáveis fazem birras, sujam-se, têm a vista na ponta dos dedos, querem mexer em tudo, são teimosas e faladoras.
A recente epidemia atípica de crianças hiperativas é (deveria ser!) um caso de polícia e começou quando aumentaram as aulas e encurtaram os recreios. As crianças têm atualmente um horário de trabalho mais prolongado do que o dos seus pais, passam mais tempo fora de casa e do seio familiar do que deveriam, quando chegam a casa não há tempo / disponibilidade / disposição para apagar a televisão, desligar o computador/telemóvel e conversar… deveríamos lutar por um horário de 40 horas semanais para todas as nossas crianças!
As crianças têm também que correr riscos, pois só assim aprendem a lidar com eles, a superá-los e a serem autónomas.
As crianças têm até direito à maldade, porque a agressividade é património da Humanidade. Ser agressivo com lealdade, com maneiras, é o que nos permite ir atrás dos nossos sonhos, das nossas ideias.
Chega de uniformizar as crianças, elas não são produtos normalizados!
Porque o melhor do mundo… é o futuro!
E os adultos responsáveis que queremos educar para o futuro dependem de outros adultos responsáveis… que somos nós.
Não criemos zombies… zombies digitais. Porque tudo o que é digital provoca estímulos. Estímulos rápidos, atrativos, que criam dependência. E é preciso saber estar, voltar a saber estar. E saber estar é saber conversar, saber esperar…
Começa a ser muito raro, em qualquer situação em que seja necessário esperar (numa viagem, numa ida ao restaurante, na sala de espera de uma consulta) ver crianças sem nada nas mãos! Não, não são brinquedos ou livros, são aparelhos tecnológicos! Assim se interfere na capacidade de atenção / concentração: a atenção das crianças fica voltada para estímulos constantes e quando estes não estão presentes, a atenção pára.  Depois temos crianças desmotivadas, que não se interessam por nada a não ser … écrans. Mas isto só acontece quando a tecnologia é usada em excesso, por tudo e por nada, em uso e desuso…
Aprender a decidir, aprender a pensar são aprendizagens muito mais importantes do que a matemática ou o português, para além de que todas as disciplinas curriculares deveriam ter o mesmo peso e a mesma importância!
Aprender a regular o seu comportamento, substituir a obediência pela cooperação, que é aquilo que surge quando há laços afetivos com alguém com quem se tem um vínculo e que se reconhece como responsável.



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